Aviso: Este texto não é sobre isso ser todo o ativismo que precisa ser feito, ou sobre o que é necessário para tirar pessoas NHINCQ+ de situações precárias, e portanto não deve ser interpretado como tal. Também não é sobre chamar pessoas NHINCQ+ de preguiçosas por "não produzirem o suficiente". Cada pessoa sabe das próprias limitações.
Este texto é sobre o que pessoas que têm vontade de fazer mais conteúdo sobre a comunidade e não querem repetir o que já tem um monte de gente fazendo podem fazer. Sobre o que pessoas que, mesmo tendo como únicos recursos a internet, uma forma de produzir conteúdo e alguma experiência em fazer postagens em redes sociais, podem fazer.
Eu não vou cobrir questões como manter comunidades, fazer pesquisas, fazer artesanato ou socializar. Podem ser assuntos interessantes para outro dia, mas vai ser muita coisa se eu também focar nisso aqui.
Também gostaria de avisar que, embora existam pessoas que façam conteúdo para a internet e ganham dinheiro com isso (seja tal conteúdo textos, vídeos, podcasts, etc.), é muito pouco provável que você vá ganhar muito dinheiro produzindo conteúdo NHINCQ+ inclusivo/informativo. A maioria não quer saber de neolinguagem, de respeitar pessoas "de identidades estranhas", de aprender sobre a existência de mais de 2-4 orientações, etc.
Ou seja, se você precisa de dinheiro e acha que tem talento para fazer dinheiro pelo Twitch ou YouTube ou o que for, eu recomendo que ao menos você comece com assuntos que interessam mais pessoas.
Como "postagens", entenda-se qualquer coisa que pode ser postada na internet. Isso inclui textos como este, vídeos, áudios, histórias em quadrinhos, apresentações de slides, jogos, ou qualquer outra mídia que você preferir.
Conteúdo
Aqui estão algumas coisas que eu não vejo ninguém fazendo, ou, mesmo que haja alguém fazendo, acho que seria bom se houvessem mais pessoas fazendo:
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Listas de identidades NHINCQ+ extensas e com temas específicos. Os temas ajudam as pessoas a procurarem por uma postagem sobre o que estão questionando (ao invés de terem que pesquisar por listas gigantes que tem um monte de outras coisas misturadas), e sua extensão ajuda a trazer a ideia de que não é só uma ou outra opção que existe;
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Traduções de termos cunhados em outras línguas. É sério, tem muita coisa legal que demora pra eu conseguir achar/traduzir, e outras pessoas podem ter outros julgamentos sobre que identidades consideram legais/relevantes o suficiente para fazer;
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Conteúdo sobre experiências pessoais de identidades NHINCQ+ menos conhecidas;
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Conteúdo sobre experiências de pessoas que são NHINCQ+ e de mais de um grupo marginalizado (lésbica + intersexo, não-binárie + negre, homem trans + gay + assexual, bi + profissional do sexo, abro + mulher, aquileane + não-binárie, grisromântique + autista + gorde, etc.);
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Conteúdo sobre atrações além da romântica e da sexual serem importantes, tanto pela perspectiva de ter outras atrações sem ter estas, quanto pela perspectiva de não ter outras atrações e ter estas (além das muitas outras possibilidades);
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Postagens que reúnem várias perspectivas diferentes sobre como é ser de certa identidade NHINCQ+ (como What It's Like To Be ou mesmo Queer Undefined);
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Postagens similares às de jornais, que entrevistam pessoas por suas experiências mas que também dão a definição de termos e uma explicação mastigada sobre eles, só que feitas de forma inclusiva e respeitosa;
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Postagens que falam sobre tipos de discriminação que são mais específicos do que coisas que afetam praticamente toda a comunidade, ou grupos grandes dentro dela;
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Histórias NHINCQ+ que não se encaixam nos estereótipos respeitáveis de suas respectivas identidades (por exemplo, pessoas intersexo cuja variação intersexo não é relacionada com genitália, ou pessoas não-hétero que não possuem relacionamentos monogâmicos como seu objetivo de vida);
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Histórias com personagens que são de identidades NHINCQ+ menos conhecidas;
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Histórias que tratam a linguagem ideal para certas coisas como normal (como a utilização de artigo/pronome/final de palavra ao invés de pessoas não falarem sua linguagem, ou como tratar sáfica como um termo guarda-chuva comum ao invés de usar "lésbicas e mulheres bissexuais");
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Não é um tipo de conteúdo específico, mas é legal normalizar o uso de termos guarda-chuva que não são reducionistas, e também o uso de termos como exorsexismo, duaricismo, alossexismo, monossexismo, queermisia, heterossexismo, diadismo, etc. Estas palavras e outras precisam ser mais usadas; não dá pra chamar toda discriminação sofrida por pessoas NHINCQ+ de "homofobia e transfobia" ou mesmo de [identidade bem específica mesmo que a discriminação se aplique para casos mais gerais]misia pra sempre;
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Também não é um tipo de conteúdo específico, mas seria muito bom se pessoas treinassem usar algum conjunto neutro universal como linguagem neutra ao invés de usar o/ele/o (minha sugestão atual é usar e/elu/e, mas se quiser usar i/éli/i, i/ili/i, le/ile/e, le/élu/e, ê/elu/e, i/il/y ou outra coisa, vá em frente)!
O problema do alcance
Muito conteúdo NHINCQ+ inclusivo acaba só sendo repassado entre poucas pessoas. Motivos comuns para isso são julgamentos sobre o assunto ser desinteressante ou complexo demais.
Se você acha que consegue fazer conteúdo que não dê informações erradas em nome da simplicidade, mas que também seja acessível e interessante a quem é iniciante no assunto, você pode se concentrar nisso!
Algumas coisas que se encaixam nisso são:
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Histórias de ficção que sejam interessantes para quem não é das identidades inclusas, mas que ensinem alguma coisa sobre questões NHINCQ+;
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Postagens que tentam explicar conceitos básicos (ou talvez nem tão básicos) de forma mais mastigada, sejam eles relacionados com identidades ou com opressão;
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Postagens que envolvem histórias pessoais, mas que não contém muito vocabulário difícil de entender, e que assim aproximam pessoas que não conhecem o assunto de forma mais pessoal do que com postagens 100% informativas.
Formatos de conteúdo
Atualmente, grande parte da comunidade acaba se concentrando em redes sociais "onde todo mundo está". Embora estas sejam úteis para divulgar conteúdo, elas não são feitas para arquivar conteúdo mais permanente, e às vezes não são nem muito práticas em relação à leitura de todo o conteúdo (como textos no Twitter ou no Instagram).
Prefira publicar seu conteúdo mais importante em lugares que são menos misturados com coisas aleatórias (para ser mais fácil de achar), e que possuem sistemas que permitam que este conteúdo seja achado de forma relativamente fácil mesmo que bastante tempo tenha passado.
Por exemplo, se você posta uma sequência no Twitter, quanto mais tempo passar (e você postar mais), mais esta sequência vai ficar "enterrada" em seu perfil. E a função de busca não vai adiantar muito, porque mesmo que você use uma hashtag, dificilmente vai ser uma hashtag que foi usada poucas vezes.
Enquanto isso, quando você tem um blog (mesmo que seja um desses de graça fornecido pelo Dreamwidth, Tumblr, Blogger ou Wordpress), você geralmente tem categorias que vão servir para pessoas que querem procurar só em seu blog. Estas plataformas também facilitam que você tenha vários blogs, ou mesmo não parecem tão apropriadas para postar ou compartilhar qualquer pensamento passageiro ou meme como acontece em sites como Twitter e Facebook, o que também evita que tenha um monte de conteúdo aleatório até que visitantes consigam ler sobre informações importantes, caso você queira fazer esta separação.
Também tem a questão de pessoas diferentes preferirem acompanhar coisas de formas diferentes. Existem pouquíssimos blogs, canais de vídeo ou podcasts lusófonos inclusivos sobre questões NHINCQ+. Caso você se sinta à vontade, tente fazer coisas para estes formatos!
"Mas pra quê tudo isso?"
Muitas identidades/experiências são tratadas como teorias ou trollagem, e precisam ser humanizadas. Descrições de experiências ajudam mais do que só ter rótulos no perfil ou do que repassar definições.
Definições cruas também são importantes, para que pessoas possam achar algo que se identificam sem terem que questionar se são tanto daquela identidade quanto outras pessoas. Além disso, podem ser mais eficientes para quem só quer saber resumidamente o que algo significa.
De qualquer forma, muita gente sofre e/ou se isola por não existirem espaços inclusivos de suas identidades. Outras pessoas acabam tendo que esconder parte de suas identidades para não serem alvos de chacota em espaços "LGBT", que supostamente são seguros para cada pessoa viver a sua verdade.
Muita gente sofre a discriminação da sociedade em geral por não ser cis/hétero/perissexo e precisa passar por situações humilhantes ou desgastantes quando fala disso ou tenta usar recursos para pessoas "LGBT", por não ter as identidades certas.
Sentimentos de confusão e solidão que podem ocorrer quando alguém não tem vocabulário para descrever o que sente ou comunidade que entenda tais sentimentos também podem prejudicar a vida da pessoa.
Além de questões objetivamente negativas, tem a simples questão de pessoas de qualquer identidade merecerem a oportunidade de conhecer que rótulos podem usar e de saber que existem outras pessoas que passam pelas mesmas experiências.
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