(Usei pli no título para diferenciar da questão do poliamor, que não é novidade pra quem me acompanha. Em comunidades anglófonas, é comum usar ply ao invés de poly pelo mesmo motivo, além de diferenciar de Poly para quem é da Polinésia. No resto do texto, vou usar pôli mesmo.)
Há alguns dias atrás, eu mudei meu perfil em colorid.es para incluir a bandeira da orientação pôli. Hoje, mudei minha introdução no Discord do Orientando para incluir a orientação pôli. Eu não acho que alguém deve ter notado, mas acho que alguma hora alguém notaria e me perguntaria.
Esta postagem é para explicar o motivo de eu escolher essa identidade, entre tantas outras parecidas. E para explicar os motivos de não ter usado ela antes.
Observação: O título é pra ser meio chamativo mesmo. Eu não descobri nada de novo sobre minha orientação em si; já sabia ter atração por múltiplos gêneros. A questão é mais de qual identidade escolher do que de ter deixado de ser algo ou descoberto algo.
Recapitulando: Por que não bi?
Minha “formação” na comunidade NHINCQ+, em relação ao primeiro contato mais próximo que tive com ela, foi com blogueires bem inclusives. Eram (e a maioria ainda são) pessoas que defendiam fortemente que bi é atração por dois ou mais gêneros, que pôli e pan não são rótulos inúteis ou prejudiciais, que atração por cada identidade não-binária conta como atração por gêneros diferentes, que gênero designado ou passabilidade não importam mais do que as identidades de gênero das pessoas e que cada pessoa tem que usar os rótulos que acha confortáveis.
Eram pessoas que, para se referir à comunidade múlti, muitas vezes falavam contra bi+ e similares, e que ao invés disso muitas vezes usavam BPQ+, e, mais tarde, variações de m-spec (abreviação de múlti-espectral, para combinar com a-espectral).
Desta forma, eu via todo sentido em me identificar como bi. Não só a comunidade era grande e tinha um histórico de luta muito legal, como também reconhecia que, mesmo teoricamente cobrindo todas as identidades múlti, nem todo mundo que sente atração por mais de um gênero se identifica como bi, e está tudo bem. Era também uma comunidade aonde estava tudo bem ser alguém que tinha atração por poucos gêneros sem ter por todos, ou sem ter certeza disso ser possível.
Porém, quando passei a frequentar espaços bi físicos, a coisa era diferente. A possibilidade de pessoas serem pan, pôli, ou usarem outros termos para sua atração por mais de um gênero era mencionada ocasionalmente (ou quando era para chamar pessoas para eventos), mas as falas em si ignoravam qualquer coisa além de bi (e ocasionalmente pan). Ao mesmo tempo que havia o discurso de orientações flexíveis serem apenas desculpa para não largar rótulos como hétero ou gay, havia também o discurso de que todas as pessoas atraídas por mais de um gênero não viam gênero como um fator na atração. A possibilidade de pessoas bi não serem atraídas por todos os gêneros era respeitada superficialmente, mas se alguém falasse da possibilidade de uma pessoa ser bi e não sentir atração tanto por homens quanto por mulheres, a resposta geralmente era que na verdade essas pessoas só são atraídas por um gênero e por “pessoas que parecem com ele”, e que tais pessoas deveriam contar como mono (atraídas por apenas um gênero).
E, fora disso, também tive contato com várias pessoas pan (e algumas pessoas bi) que passaram por maus bocados em comunidades bi por não serem bi (ou só bi), por falarem que bi é algo além de atração por homens e por mulheres, ou por falarem que atração por gêneros não-binários é válida e que portanto atração por mais de um gênero e atração por todos os gêneros não são a mesma coisa.
Mais tarde, também surgiu um discurso de que bi e pan são a mesma coisa, e que pan ou é uma identidade errada por ter vindo depois e ter feito pessoas pensarem que pessoas bi são exorsexistas/transmísicas/apenas atraídas por dois gêneros, ou uma identidade que “essencialmente significa a mesma coisa”, por tanto bi quanto pan supostamente serem atração por todos os gêneros ou sem que gênero seja fator na atração. Nesses círculos, outras identidades múlti também são descartadas como a mesma coisa, consideradas inúteis ou vistas como problemáticas.
Eu não quero fazer parte disso. Eu sei que vão existir discursos problemáticos feitos por pessoas de qualquer identidade, mas a comunidade bi brasileira, na minha experiência, tem gente demais espalhando desinformação e apagamento, e pouquíssimas pessoas que possuem ou que sequer levariam a sério a minha experiência múlti, de:
- Ter mais atração por um gênero do que outros, e considerar que, por isso, gênero é um fator na atração;
- Não ter certeza se a atração é ou não por todos os gêneros, especialmente por ser uma pessoa arofluxo e demissexual (ou seja: que raramente sente atração) cuja atração depende do fator gênero.
Por isso, eu também não consigo me ver como pan ou como ômni; eu não me sinto confortável em dizer que sinto atração por todos os gêneros da mesma forma que me sinto confortável em dizer que tenho atração por mais de um gênero.
Então, por um tempo, eu só me identifiquei como múlti, não vendo isso como ideal, mas como a única coisa que fazia sentido.
As muitas narrativas pôli
Os problemas que eu tinha em me identificar como pôli eram:
- A concepção comum que alguém que é pôli definitivamente não sente atração por todos os gêneros (e, por conta do exorsexismo geral, presume-se que a pessoa não sente atração por algum dos gêneros binários, sendo que ao menos atração por esses gêneros eu sei que tenho);
- A ideia de que pôli é atração por vários/muitos/3+ gêneros.
Concepções erradas não deveriam ser problemas grandes se não forem muito espalhadas, e ao menos a invisibilidade da orientação pôli faz com que elas sejam menos conhecidas. Ao menos tem bastante gente pôli que é contra a ideia de que alguém precisa não sentir atração por algum gênero pra ser pôli.
Mas a questão de muitos gêneros… novamente, minha atração é relativamente rara e quando ocorre geralmente é por um gênero só. Eu não me sinto segure em dizer que é uma atração por “muitos gêneros”, ao invés de ser “pelo menos por alguns gêneros”.
Considerei cunhar um rótulo que represente isso, mas daí vou ter novamente o problema de usar um rótulo que ninguém conhece e que basicamente não tem comunidade (algo que já acontece com a maioria dos que uso). Se for assim, talvez até seja melhor eu usar virflexível mesmo, só que daí eu também atrairia a fúria das pessoas que acham que usar um rótulo flexível é sinal de ódio monossexista internalizado e externalizado.
E isso tudo meio que pra nada, porque o que mais importa pras minhas orientações é que sou arofluxo e assexual, ainda que a possibilidade de sentir atração por múltiplos gêneros seja relevante.
Mas aí, quando fiz este texto sobre as diferenças de definições entre as orientações múlti, vi que não são realmente muitos lugares que colocam que pôli é atração especificamente por muitos gêneros, ao invés de por mais de um ou múltiplos. Isso me fez reconsiderar só me identificar como pôli caso eu descobrisse ter atração por mais gêneros (que era meu plano inicial).
Esperanças
A vantagem que me identificar como pôli me dá é que pôli é um termo mais usado como orientação do que múlti (ou seja, há possibilidade de uma comunidade além da comunidade múlti) e que é mais comum do que um termo novo ou virflexível seriam.
Na minha experiência, também tem bastante gente pôli que é a-espectral e não-binária. Na comunidade lusófona, até que tem bastante gente alo, mas a maioria ainda é de pessoas não-binárias. Isso faz com que eu não me sinta tão alienade quando minhas experiências são diferentes de atração pelo mesmo gênero + atração pelo outro gênero binário. Também espero que a comunidade seja menos exorsexista.
Pela falta de uma comunidade grande, e pelos estigmas que a comunidade pôli sofre de comunidades bi e pan, acho que não vai se repetir o que aconteceu comigo em relação à comunidade bi. Mas se acontecer, bem, sempre dá pra trocar de rótulo.
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